terça-feira, 23 de junho de 2015

Um eu que morre

Tinha dia que a vontade era da morte. De apagar tudo que tinha escrito e deixar debaixo da cama alguns papeis de presente pra não faltar embrulho pro aniversário de alguém que as vezes nem tão próximo era. Mas embrulho sempre falta.

Tinha dia, que ela se apagava no lençol, tirava a roupa, passava o dedo no corpo, secava os olhos molhados e caminhava pra um sonho que durava o dia inteiro. Nunca pensou em não acordar mais, por mais que tivesse a sensação de que o sonho era uma realidade infinita, não lembrava mais vivia tanto no escuro dos olhos quanto quando os olhos abriam e as cores frias do quarto não conversavam com nada. Nem com o que não lembrava que tinha sonhado, nem com a memória da noite passada.
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As vezes acho que ela não estava ali, em mim. Que a voz saia pela porta da cozinha e deixava a boca gritando em silêncio coisas que a alma não sabia ouvir sem ter medo.

E ela dizia pra si que se via na beira da cama, as vezes transparente as vezes em um corpo emprestado. E ela sentia cada parte do azulejo que contaminava o espaço sujo do quarto, sujo de pés que saíram do banho.

Minha vontade era de gritar... Mas lembra? A minha voz tinha ido dar uma volta e deixado a minha boca sozinha no canto esquerdo onde ficava a cama.

As vezes tinha vontade de se deixar na esquina. Beber todas as bocas que passassem por ali... Mas só pra ver se alguma dizia algo que desse vontade de ficar mais um tempo.

Mais um tempo viva.

Se cansava e de repente tudo aquilo que esperou já não era o que queria.

E dizia querer outra coisa só pra passar o tempo. Mas na verdade o que ela queria era ser filha da morte.

Aceita, alguém disse.

Talvez sua própria mente. Aceita que vê a morte como vida. Mas isso doía, porque parecia que a ingratidão tomava conta de tudo. Da unha ao embrulho que veste o corpo. Dos passos dos outros ao caminho até a padaria.

Ela fazia do corpo porta de saída, mas nunca teve coragem se destrancar da pele.

Objeto aqui sou, ela pensava.

Como valorizar o que não se vê? Se me deram um corpo pra vestir a alma e apagar o sentimentos que calçam o invisível?

As vezes acho que caio em mim, pensava.

O corpo vira matéria bruta. Casa pra alma se esconder do que ela precisa enxergar: Solidão.

E o tempo não passava, corria depressa. E os olhos já não serviam pra nada. Era a memória que se fazia eterna e um tanto falha pra tanta coisa que sentiria saudades.

Ela não tinha coragem da morte, mas ela morta se sentia e a morte tinha tanta beleza quanto a vida. E conversava com seus sonhos enquanto ela se eternizava nos caminhos que vivia a vida.